segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Testemunho da Missão em Angola/Cangumbe 2012



O ano passado parti para Angola como voluntária para ficar 6 meses em missão com as Irmãs Franciscanas de Maria.
Um sonho, que tinha desde os meus 6 anos. Realizou-se!

Encontrei África como tinha imaginado, desde que vi os diapositivos do Congo dos anos 50-60, que as Irmãs Missionárias da minha escola primária nos mostraram, quando estavam de visita  na Bélgica

A Ana (outra missionária) e eu chegámos em Luanda e logo a vida Africana nos fascinou: as ruas cheias de carros, candungeiros, homens de motocicletas a manobrarem entre as filas, mulheres em panos coloridos carregadas das mais diversas mercadorias empilhadas por cima das cabeças e com bebés às costas, senhoras vendedoras à beira das estradas e muitas, mesmo muitas crianças.
Uma cidade cheia de vida, onde o contraste entre ricos e pobres é enorme.

Após tratarmos dos nossos documentos,  e após nos despedirmos de todas as Irmãs queridas na casa-mãe, continuámos a nossa viagem até ao nosso destino, Cangumbe, no meio dos planaltos da província de Moxico, a 80Km de Lwena, a cidade mais perto.
Fui a Lwena várias vezes, para levar a Ana ao aeroporto, fazer compras, telefonar e mandar e-mails para a família, bem como para dar um curso de Reflexologia dos Pés.

Cangumbe, uma terra parada no passado, onde os vestígios da guerra ainda estão muito presente.


Em Cangumbe, colocaram-nos logo em contacto com o Administrador e a Directora do Centro de Saúde. O nosso trabalho começou!
A Ana deu explicações aos adultos da paróquia e deu paletras sobre nutrição, para melhorar a alimentação da população de lá, que em geral só come « funge»  (papa de mandioca) e explicou a importância das vitaminas e outros elementos tão necessários para ficar saudável. Como nem todas as pessoas percebiam o Português, um dos enfermeiros fez a tradução em Tchokwé, o dialecto local.

Muitas pessoas fugiram da guerra e viveram muitos anos na floresta. Agora, 10 anos após a guerra acabar, começam a voltar para a cidade.
 Em Cangumbe e à sua volta há muitos «bairros», onde as casas são feitas com paus e lama à maneira antiga. Cada aldeia tem um «Soba» (chefe), que em ocasiões oficiais veste um uniforme bege.

Durante a semana, quase todos os adultos estão a 12 Km de Cangumbe, nas suas hortas ao pé do rio, onde permanecem a semana toda (pois era tempo de chuva). Levam consigo os bebés que ainda mamam e os filhos mais grandes para os ajudar. 
Poucos adultos ficam na aldeia, e vi muitas crianças de 6-8 anos a cuidar dos seus irmãos mais novos, a semana inteira. Eles tinham que se governar este tempo todo com o funge que a mãe deixava. Muitos deles tinham fome. Por isso, retiravam constantemente com pedras e paus, as mangas verdes das árvores enormes que estavam carregadas de fruta. 

Estavam sempre muito felizes quando os pais voltaram ao fim da semana para celebrar a missa de domingo. Duas vezes por semana passava o comboio, ambas as vezes sobrecarregada de gente e mercadorias.
Nessas ocasiões, toda a população de Cangumbe estava presente na estação, pois era o maior acontecimento da semana.
Crianças, jovens e mães vendiam mel selvagem, hortaliças e frutos dos bosques.
Um vai-vem vivo e alegre, um ambiente de festa: pessoas a  abraçar membros de família que não viam há muito tempo, pessoas que iam ou voltavam do Hospital em Lwena, policias e soldados da tropa que iam substituir outros que voltavam aos seus lugares de origem, etc...E depois, toda esta gente ia voltar ao seu dia a dia, enquanto o comboio se afastava no horizonte.

Entretanto, o meu trabalho incidiu no Centro de Saúde, onde deu massagens e Reflexologia dos pés aos utentes, que às vezes tinham caminhado toda a noite através da floresta, para chegar de madrugada. A maioria vinha acompanhado de toda a família, para lhes fazer comida e lavar a roupa.




Às vezes os quartos eram cheios de doentes com malária ou outros doenças. Surgiu uma situação de surto de tosse convulsa, e a farmácia nem sempre dispunhados medicamentos adequados, mas os enfermeiros fizeram sempre o que podiam. Se era um caso grave, uma ambulância levava-os até Lwena. Também realizei visitas ao domicílio, nas suas « jangas».

Outra das actividades foram as lições de costura, onde os rapazes se destacaram.
Quando souberam que íamos fazer uma «pasta/mala», a sala de trabalho tornava-se rapidamente pequena demais, tantos interessados havia. 
Muitos deles traziam os seus irmãos mais pequenos, estes metiam-se em baixo das mesas com papel e lápis de cor e faziam desenhos maravilhosos, que orgulhosamente levavam para casa.


Nas lições de Inglês, tínhamos o Administrador, o seu secretário, o chefe da tropa, um polícia, alguns catequistas e as Irmãs como alunos. 
As massagens, foi outras das atividades realizadas, contudo as mães, devido ao trabalho nas hortas, não conseguiram aprender, com muita pena sua. Só os enfermeiros, um policia e uma leiga aprenderam esta técnica e como foi um grupo muito ligado, dei continuidade ao trabalho.
Tive a sorte que o Bispo de Lwena nós visitou, que organizou um curso de Reflexologia dos Pés, em Lwena, em 4 Centros  que promoviam a Medicina Natural. Este grupo aprendeu com facilidade esta técnica eficaz na manutenção da saúde e praticámos logo nos 4 centros.


De volta em Luanda, muitas Irmãs também aprenderam a Reflexologia com muito entusiasmo.

Durante estes 6 meses, estive acompanhada com Irmãs e a sua Vida Religiosa, outra experiência nova para mim, e com respeito e agradecimento lembro-me o acolhimento caloroso no seu seio. Claro que, também existiam alguns momentos de tensão, pois somos todos seres humanos, mas também somos todos seres de boa vontade e acreditamos em Deus, Nosso Senhor, e como tal as coisas resolviam-se.
Aprendi várias coisas sobre mim próprio e evolui!
Vi coisas muito bonitas que me exaltaram e colocaram lágrimas nos olhos, como na igreja e eventos sacras, cheios de pessoas de boa vontade;  as cantigas, mesmo quando nem todos cantavam no mesmo octavo, soavam divinas e sobiam directamente para o céu!
As crianças, com olhos brilhantes e sorrisos largos ; as pessoas indígenas que me adoptaram como um  dos seus; o ritmo, a dança, a alegria; a natureza em seu esplendor, tudo isto presentes de Deus.


Espero de todo o meu coração que o mundo se torne um lugar equilibrado onde todos podem viver em paz as suas vidas e criar as suas famílias em alegria.
Obrigada  a todas!
Estamos juntos, sim, Senhor.



Els Claes (Missionária Leiga das FMM)

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